11.7.08

o ladrão



Chegou em casa esbaforido com a mochila pesada já nas mãos, fora dos ombros doloridos. Foi tirando a roupa pela casa e chutou os sapatos pra cima; o cachorro veio de encontro com o rabo abanando, brinquedo na boca, euforia. Não ganhou atenção alguma. Seu dono queria dormir. Correu pro quarto e se jogou na cama desarrumada e empoeirada, devido à janela aberta há três dias; janela que interligava a segurança de um cômodo escuro à claridade e movimento de ônibus, carros e pessoas da avenida.

Jogou-se na cama e cobriu o rosto com a coberta, como fazia em tempos nos quais seus pés ficavam longe do final do colchão. (Um tempo distante, quando medo de lagartixa era um segredo vergonhoso. “E se alguma subisse por ele durante a noite? Essas danadinhas geladas e esquisitas adoram a calada da noite, eu sei...”. A solução era cobrir-se todinho e se certificar de que o lençol não oferecia nenhuma brecha).

Pois, 100% coberto e imóvel fechou os olhos e logo dormiu. Rolou de um lado para o outro, rangeu os dentes, teve pesadelos, suou, chorou. Acordou e passou a mão no espaço ao lado. Sentia falta. Sentia falta de sua inocência e sabia que nunca mais a recuperaria. O cachorro mordeu e rasgou toda a mochila, deixando em evidência a culpa, que não o havia deixado dormir em paz. Olhou para o chão e viu os livros e discos preferidos dela ali. Vingança vã do que ela havia feito: roubado suspiros, sorrisos e coração. Ela não devolveria, ele também não. Agora, cada folha de cada livro amarelado lhe contaria uma história e cada faixa de cada disco embalaria seus momentos sórdidos. Ele tinha se tornado um ladrão para sempre. De uma vez por todas o medo de lagartixa havia sumido e dado lugar a um medo maior, o medo de fraquejar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Thais
Que tipo de ladrão é esse?Perder alguém querido por nada (ou sabe-se lá por qual motivo )deve ser triste ...
Seu Pai, Paulo

Juliana Gonçalves disse...

"Nessa rua, nessa rua tem um bosque
Que se chama, que se chama solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração"

Lembra dessa música?
No fundo, todos roubamos!
Somos ladrões, sem nem saber...

Anônimo disse...

fantástico. De uma tristeza profunda, mas contada com uma frieza peculiar

Marina Venancio disse...

Bonito, bonito... triste, porém bonito. Adoro seus textos!

Quem me dera ter esse tipo de inspiração!

CarolT disse...

oi, vim retribui a visita.
Aproveitei pra me deliciar com o texto. Muito Bom.

Até +
Carol