24.9.08

momento chicletinho

Gosto de ouvir músicas de dor de cotovelo e não me encaixar, mas gosto mesmo é de me acomodar em suas notas meio desafinadas e na sua caixa de distorção (é assim que chama aquele tréco cheio de botões?). Gosto de torcer para você ficar mais um pouquinho e dar certo, gosto de ficar presa entre seus caninos. Gosto de ser sua presa, e de te prender também. Gosto do seu sofá vermelho e de colocar meus pés ao lado dos seus na cadeira fora de lugar e de ter medo do suspense à frente ou da sua cabeça baixa no batente da porta. Gosto que você seja assim, grande, pra eu me sentir pequena e sua, gosto de ser cuidada por você. Gosto de lembrar de você e de mim como passado, só pra ficar mais feliz sabendo que é presente. Gosto de você embrulhado ou só numa sacolinha. Gosto de você mesmo num envelope, sem nem etiqueta, sem capa e caixa de DVD. Não preciso ter o gênero, nem a data de gravação, ou a trilha sonora no estojo preto. Eu conheço a história e gosto dela. Gosto de tê-la sempre no play, como a fita "Os Caça Fantasmas", que minha irmã via cinco vezes por dia em 1990 e alguma coisa. Gosto de fazer mil coisas, mas você estar sempre no pensamento. Gosto de você ser parte e não incomodar. Você está em todos os lugares, até aqui.

queria a velocidade da luz nos dias úteis (?)


Trabalho, escrevo, corro pra lá e pra cá, bebo mais água que o usual, arrisco subir uns degraus ao invés do elevador, quero gastar meu tempo, quero que ele acabe, não quero que ele me prenda como cola, como aquela cola de armadilha de rato. Quero ganhar uma corrida que canse o tempo e faça o relógio parecer acelerado, e acabado. Saio, rio, bebo, como, falo com pessoas na mesma língua que eu. Busco palavras diferentes, assuntos diferentes. Quero sucumbir o tempo, quero sentir que ele é menor do que realmente é. Tento enganá-lo e persuadir meu relógio biológico que as horas não são longas demais. Olho pela janela do sétimo andar, viajo nas montanhas que ficam ao fundo da paisagem cheia de ruas e carros em primeiro plano. Quero que o tempo corra como os carros e motos que cortam a frente de ônibus e pedestres no chão. Quero que o tempo seja inversamente proporcional à lenta velocidade das nuvens que pouco se movem entre as montanhas. Quero que o tempo passe logo, quero que chegue logo o fim de semana para pelo menos um tiquinho eu ter você em slow motion, se possível for.

19.9.08

17 de novembro de 2007

Pernas e pernas, coxas. Estômago borbulhante encostado no dele. Costelas cobertas. Próximas. Carne. Seios inflados num sutiã de armação, adrenalina correndo nas veias, artérias e músculos, e na gordura localizada, e na pele e nos pelos. Amassam o peito dele, empurram, sentem, saboreiam. Braços, abraço, mãos de um lado ao outro das costas. Pescoço nu, perfume cru, pescoço cru. Gosto sem cozer. Oxigênio em abundância enche os pulmões, inspira, expira, ar quente em pouca distância. Boca, língua, dentes, lábios, papilas e braços e pernas e pescoço cru. Olhos fechados para imortalizar e fazer real. Ouvidos abertos fazendo a música penetrar. Boca. Língua. Lábios. Papilas. Braços e pernas e mãos. Aroma, sabor, textura. 17 de novembro de 2007, semana passada, semana que vem.

3.9.08

a cozinha

Dentre as experiências na cozinha havia pouca coisa a salientar: um mousse de limão espetacular, tentativas amargas de fazer arroz na panela com solução encontrada quase um ano e meio depois de muita desgraça e um susto provocado pela união de frango, óleo e fogo. O pequeno espaço que guardava uma geladeira novíssima e sempre 99% vazia, um fogão especialista em assar comidinhas prontas e uma pia com armário repleto de panelas e travessas quase sem uso, era praticamente cenográfico. É verdade que sempre tinha louça suja na pia, o que dava bastante veracidade ao ambiente, mas a cozinha não era um local de fumaça aromatizada por temperos e respingada por caldos saborosos. Não. Era mesmo o que tinha depois da porta de correr da sala, e o que vinha antes do armarinho de dispensa com o soberano microondas em cima. O teto ainda cinza pelo resultado da citada união de frango, óleo e fogo continuava assim desde o ocorrido mais de 365 dias antes. O relógio de parede sem pilha continuava sobre a banqueta de madeira e o pingüim de pelúcia estava imóvel desde sempre, no alto e sem resquício algum de gordura, apenas pó.

Em toda a história daquela cozinha só um dia deste ano teve destaque, o dia 2 de agosto. Com a presença das caixas na sala, a cozinha ganhou atenção e uma vontade enorme de fazer aquele maquinário enferrujado funcionar emergiu dos tupperwares escondidos na profundeza de uma gaveta. De comestível havia poucos elementos: açúcar, barrinhas de cereal, macarrão penne, um pacotinho de gelatina, uma lata de creme de leite e uma de leite condensado. Assim, o avental saiu do ganchinho na parede, o abridor e colheres das gavetas e a fôrma de pudim foi lavada e enxugada com pano de prato limpíssimo. O mix elétrico mexeu ou ingredientes à base de leite com a gelatina recém feita na preferida panela vermelha. Pronta, a sobremesa foi para a primeira grade da geladeira, lugar de respeito. Depois que as caixas engolissem tudo, o doce seria companhia e remédio. Seu papel era importante. Tratou de manter-se bem firme e gostoso.

a.c e d.c

Depois que saíram do carro, as caixas subiram pelo elevador e ficaram na sala. Elas ocupavam uma parte considerável do chão. Estavam amontoadas e podiam enxergar também a cozinha e a pequena área de serviço. “Logo vamos engolir tudo o que tem nessas gavetas!”, comentou uma com malícia. Ao que outra completou: “Não vai sobrar nenhuma coisinha também em cima dos móveis. Olha aquelas velas ali, e aqueles castiçais. Vão ficar todos amontoados aqui em mim, hehehe”. As caixas riam sarcasticamente das peças de decoração, dos quadros, das toalhinhas coloridas, dos livros e CD´s, de tudo que perderia sem lugar.

Elas ainda estavam em um canto, mas logo dominariam o pedaço e sabiam disso. Aliás, aguardavam ansiosas pela apoteose. Passaram a noite imaginando serem recheadas de partes de vida de objetos inanimados. De lá, iam para um caminhão fechado e escuro e tudo que engoliram seria eliminado apenas quase 200 km de distância depois. Elas eram más. Elas sabiam que fariam diferença, pois elas carregariam história sem deixar pedra sobre pedra. Elas iriam colaborar ativamente para o fim de uma fase. Elas eram divisores de águas. De repente, criara-se uma era: antes das caixas e depois das caixas.