23.4.09

Minha primeira vez



A minha primeira vez foi, na verdade, a quarta. E até agora, infelizmente, essa foi a penúltima que me aconteceu. Quando meus olhos chegaram bem próximos a uma das paredes do velho Pingüino*, minha máscara foi alagada por uma água que não vinha do ambiente externo.

Com um sabor de primeiro beijo, assim que consegui me concentrar e equilibrar o corpo, administrando a quantidade de ar do meu colete com o funcionamento do meu pulmão ansioso, vi três pequenos cavalos-marinhos amarronzados enroscados no casco do navio encoberto por vida marinha verde, um verde tão verde que não ousei tocar. A fragilidade dos cavalos-marinhos vivendo ali, harmoniosamente naquele pedacinho do casco assentado numa imensidão de água límpida e salgada demais para mim, fez por alguns segundos eu me sentir extremamente medíocre. Aquela forma de vida tão tranqüila, ingênua, inofensiva e delicada é com certeza bem mais feliz que eu, cheia de preocupações de uma vida corrida. E restavam 49,95 m de casco para eu observar. E toda parte superior.

Nesse trajeto de conhecimento e reconhecimento de território alheio foi aonde percebi que mergulhar é, além de um encontro com o desconhecido, em um ambiente desconhecido, um encontro consigo. É preciso mergulhar na própria corrente sanguínea para um bom mergulho no mar. É preciso mergulhar pelo nosso interior para poder controlar a emoção e a nossa fisiologia. É conversar com a gente mesmo, contar segredos, dividir descobertas com a alma. Mergulhar é mais que ver peixinhos que não sei o nome, ou cavalos-marinhos perfeitos, mergulhar é encontrar com Deus. Foi assim que me senti quando a máscara alagou e minhas nadadeiras cortavam suavemente o azul esverdeado daquele mar.

E como encontrar com Deus não é algo que a gente faz toda hora, continuei movendo minhas nadadeiras desajeitadas, respirando ansiosamente e sentindo o bater do meu coração mais alto por pouco tempo. Enquanto eu me deslumbrava com cada pedacinho do que via, não percebi que subi alguns metros e o amadorismo não deu trégua.

A última coisa que vi foi o instrutor gesticulando “vem, desce”, e nessas alturas meu pulmão ansioso somado ao ar expandido no meu colete foram bem mais rápidos que meu polegar apertando a saída de ar. Subi igual a um rojão e o momento mágico acabou de repente. “Mula!” - pensei e falei. O tempo de mergulho já estava no fim e não desci mais ali.

Mergulhei em um outro ponto, delicioso também, água quentinha, caranguejo-aranha, água-viva, peixes gordos, magros, menores, maiores, estrelas do mar e outras “cositas”. Foi gostoso, vibrante, mas nada comparado ao primeiro beijo. E eu voltei para a embarcação imaginando o que seria da Capela Sistina se Michelangelo tivesse tido a oportunidade de ter feito um mergulho scuba.


* O Pingüino é uma embarcação que desde 1967 adormece a 18 metros de profundidade na Enseada do Sítio Forte, em Angra dos Reis, RJ. É um dos naufrágios mais visitados do país e onde os iniciantes têm a oportunidade de se sentir grandes mergulhadores.

8 comentários:

Kiara Guedes disse...

menina! Como assim?... Eu ja tive oportunidade de mergulhar, morroooooo, morro mesmo de medo. mas vc usou as palavras certas eu tenho certeza, pois até me deu vontade... Quem sabe um dia... quem sabe...
Bjs

Unknown disse...

Kiara, que medo, que nada... vai sim!! Mergulhar é mágico! bj

Fabio Chiorino disse...

Thais França, prestes a se tornar uma caçadora de tesouros submersos

Tenho medo. Mas não espalha

Unknown disse...

Fabinho,
E se tudo der certo e o Ministro do Trabalho fizer uma visita comportada aqui na cidadezinha neste feriado, eu conseguirei fazer um curso de nitroxx!
Águas mais profundas...
bjos

Unknown disse...

Fabinho,
E se tudo der certo e o Ministro do Trabalho fizer uma visita comportada aqui na cidadezinha neste feriado, eu conseguirei fazer um curso de nitroxx!
Águas mais profundas...
bjos

Anônimo disse...

Eu mergulho desde o tempo em que o escafandro era um de couro untado de sebo (é lógico que é mentira!); sinto o mesmo que você pelo abissal, mas jamais consegui descrevê-lo, quanto mais escrevê-lo. Bacana paca!!!!!! No limits!!! Estou narcoseado. Pena que em um escritório onde o azul mais próximo é a camisa do seu José Santista.

Bj Thais

Cláudio Maia

Unknown disse...

Fantástica e emocionante descrição!!!
Parabéns...

Unknown disse...

Obrigada, Drako! E volte sempre!