31.8.09

O marinheiro


Não tinha o hábito de usar despertador, pois acordar cedo era uma rotina de sempre. Levantava-se antes do sol e todos os dias o via subir por detrás do mar. Os primeiros raios da manhã davam a impressão de o mar estar alaranjado e cristalizado. Aquele mar calmo e seguro, que há tantos anos o abrigava.

Era um velho marinheiro da marinha mercante, conhecia vários barcos e navios de carga, e por isso também vários países, vários lugares. É claro que preferia o convés à casa de máquinas e como já estava com a idade avançada tinha um certo privilégio de livre arbítrio. Já não obedecia a regras, fazia o que tinha vontade. Era praticamente um passageiro-morador daquela embarcação e se orgulhava em ter conquistado esse status à base de muito trabalho, coleguismo e respeito.

À noite, contava histórias e estórias aos novatos e dizia que cada estrela era uma mulher que olhava pelos homens do alto, pois não os podiam ter. Como era injusto tanta mulher no céu e a ausência delas consentida no mar! Era verdade que nunca havia se casado, mas mentira dizer que não tinha vivido grandes amores. Pros mais chegados, contava suas aventuras, encantos e desencantos.

E como ia dizendo antes, cada novo dia parecia o mesmo. Levantava da cama, lavava o rosto, escovava os dentes, bebia o que tivesse e comia uma fatia de pão de forma com manteiga de garrafa. Uma vez por semana dava para comprar frutas e o desjejum era, portanto, mais saboroso. Mas no dia-a-dia era só isso mesmo: pão de forma com manteiga de garrafa e um pingado ou café preto, ou chá mate. Pegava a caneca e, no convés, via a lua dar lugar ao sol, e admirava o alaranjado no mar.

Um dia, quando a embarcação aportou logo cedo, resolveu dar uma caminhada. Era grande a carga que seria deixada no porto e a tripulação garantiu que em menos de cinco horas não terminariam o trabalho. Calçou o par de sapatos, desceu do barco e escolheu aleatoriamente o rumo. Seguiu pela direita, à beira mar e foi reparando em tudo que sua visão e mente podiam captar. Um casal de jovens namorados trocavam carinhos em frente a uma lanchonete, uma senhor de meia idade comprava jornal em uma banca cheia de penduricalhos, um moço triste caminhava ao lado de um cachorro sujo e magro. Passou também por um grupo de amigas alegres que tinham cestos de roupas nas mãos e por guardas que faziam ronda no local.

Já a uns quilômetros do barco viu um banco de madeira próximo a uma saída para a praia. Sentou ali e ficou admirando a paisagem. Um vento fresco bateu em seu chapéu e quase o fez voar. Nessa hora, um vendedor de doces sentou ao seu lado e perguntou: “Nunca o vi por aqui, está a passeio?”. O velho marinheiro respondeu que vivia no mar e apontou ao longe a embarcação, “Está vendo aquele barco grande, com alguns homens trabalhando? É minha casa”.

Conversaram sobre coisas bobas e o vendedor se foi. O velho sorriu e agradeceu a prosa. Mal estava sozinho, sentiu um calafrio e uma linda gaivota passou em sua frente e voou como que em direção do sol. Seus olhos brilharam como o alaranjado das manhãs do mar e se fecharam com delicadeza. Quando os abriu de novo, sobrevoava o mar.


(Imagem do banco SXC)

4 comentários:

Anônimo disse...

Se a Melle Bela fosse maior uns 40 pés, se o cenário fosse Rabat – La Vague, eu queria ser esse marinheiro.
*Mas com a mesma mulher em vários portos*

Bj Thaís!!!

Cláudio Maia

Unknown disse...

Esse Cláudio é um romântico!
Saudades, amigo! Quando for a SJC aviso para tomarmos alguma coisa :)

beijos!

Isy disse...

thais, vc deixou meu coração desesperado..achei que ele ia ser deixado pelo navio..

mas foi mais lindo o final.ainda bem!
adorei!!

Unknown disse...

Não... jamais a tripulação faria isso com ele, tá louca! Era um homem querido, morrei feliz.

;)