
A minha primeira vez foi, na verdade, a quarta. E até agora, infelizmente, essa foi a penúltima que me aconteceu. Quando meus olhos chegaram bem próximos a uma das paredes do velho Pingüino*, minha máscara foi alagada por uma água que não vinha do ambiente externo.
Com um sabor de primeiro beijo, assim que consegui me concentrar e equilibrar o corpo, administrando a quantidade de ar do meu colete com o funcionamento do meu pulmão ansioso, vi três pequenos cavalos-marinhos amarronzados enroscados no casco do navio encoberto por vida marinha verde, um verde tão verde que não ousei tocar. A fragilidade dos cavalos-marinhos vivendo ali, harmoniosamente naquele pedacinho do casco assentado numa imensidão de água límpida e salgada demais para mim, fez por alguns segundos eu me sentir extremamente medíocre. Aquela forma de vida tão tranqüila, ingênua, inofensiva e delicada é com certeza bem mais feliz que eu, cheia de preocupações de uma vida corrida. E restavam 49,95 m de casco para eu observar. E toda parte superior.
Nesse trajeto de conhecimento e reconhecimento de território alheio foi aonde percebi que mergulhar é, além de um encontro com o desconhecido, em um ambiente desconhecido, um encontro consigo. É preciso mergulhar na própria corrente sanguínea para um bom mergulho no mar. É preciso mergulhar pelo nosso interior para poder controlar a emoção e a nossa fisiologia. É conversar com a gente mesmo, contar segredos, dividir descobertas com a alma. Mergulhar é mais que ver peixinhos que não sei o nome, ou cavalos-marinhos perfeitos, mergulhar é encontrar com Deus. Foi assim que me senti quando a máscara alagou e minhas nadadeiras cortavam suavemente o azul esverdeado daquele mar.
E como encontrar com Deus não é algo que a gente faz toda hora, continuei movendo minhas nadadeiras desajeitadas, respirando ansiosamente e sentindo o bater do meu coração mais alto por pouco tempo. Enquanto eu me deslumbrava com cada pedacinho do que via, não percebi que subi alguns metros e o amadorismo não deu trégua.
A última coisa que vi foi o instrutor gesticulando “vem, desce”, e nessas alturas meu pulmão ansioso somado ao ar expandido no meu colete foram bem mais rápidos que meu polegar apertando a saída de ar. Subi igual a um rojão e o momento mágico acabou de repente. “Mula!” - pensei e falei. O tempo de mergulho já estava no fim e não desci mais ali.
Mergulhei em um outro ponto, delicioso também, água quentinha, caranguejo-aranha, água-viva, peixes gordos, magros, menores, maiores, estrelas do mar e outras “cositas”. Foi gostoso, vibrante, mas nada comparado ao primeiro beijo. E eu voltei para a embarcação imaginando o que seria da Capela Sistina se Michelangelo tivesse tido a oportunidade de ter feito um mergulho scuba.
* O Pingüino é uma embarcação que desde 1967 adormece a 18 metros de profundidade na Enseada do Sítio Forte, em Angra dos Reis, RJ. É um dos naufrágios mais visitados do país e onde os iniciantes têm a oportunidade de se sentir grandes mergulhadores.