
Era uma pessoa boa em abstrair coisas. A brincadeira de ver bichos em nuvens acompanhava sua vida, mesmo depois da infância. Com a maturidade, passou a ver mais coisas que bichos. Via de tudo nas nuvens.
Adorava andar de carro em estradas de alta velocidade sentindo o vento embaraçar os cabelos e o sol esquentar seu braço esquerdo. Gostava do “bronze motorista”. Era como que uma forma de lembrá-la que sabia aproveitar o sol mesmo sem estar estirada para ele. E nem podia. A pele era branca demais e já tinha marcas de expressão e de sol no rosto. Com preguiça de usar cosméticos rejuvenescedores, passava maquiagem de boa qualidade e usava grandes óculos escuros. Unindo o útil ao agradável, tinha a combinação perfeita para se sentir a estrela de um videoclipe.
No geral, era aos finais de semana que conseguia dedicar-se à essa entrega na estrada. Gostava de lembrar que o avô dizia que a estrada é como a vida, pois a gente tem que ir sempre em frente, para não causar acidentes. E como a vida, a estrada nos permite ver o que tem ao seu redor rápido demais, por isso é preciso curtir cada quadro. E ela curtia.
Ligava o som e quando estava pensativa apenas acompanhava as músicas no pensamento. Quando estava feliz, era muito mais divertido, pois cantava e batucava todos os sons, tanto dos vocais quanto dos instrumentos. Tinha estatura mediana, não era tão alta e as pernas, muito menos, longas, mas sempre no batuque frenético batia o joelho direito na ignição. Às vezes aquele carro parecia apertado, mas era um apertadinho confortável, sabe?! Era o que ouvia ela dizer.
Um dia, um tanto pensativa apenas cantarolando na mente a música que tocava no rádio, recebeu um telefonema. O dia passou a ser noite e os vidros foram fechados. O cotovelo esquerdo não ocupava mais a beira da janela e o freio passou a ser mais utilizado que antes. Sem dó. Nesse dia ela passou de carro, buzinou e não a reconheci. Os cabelos estavam presos para não serem embaraçados e os óculos escuros aposentados no porta-luva. Estranhamente não vi mais nuvens no céu. Será que no inverno elas somem? Nunca soube disso, mas hoje sei que a estrada não é a mesma sem ela. Era boa em abstrair as coisas, acho que abstraiu a estrada e, por isso, não pôde mais seguir e parou em algum retorno.
10 comentários:
como sempre, um lindo texto... profundo... mas de tudo que eu li, o que mais me marcou foi o que o vô da menina dizia: "a estrada é como a vida, pois a gente tem que ir sempre em frente, para não causar acidentes"... Sábio, muito sábio. Ele tinha razão, eu sei, porque já causei acidentes demais. E agora, to aprendendo a seguir em frente.
Bjosssss
Não adianta dar ré na AutoBan...
Valeu, Mari, for all.
Não adianta dar ré na AutoBan...
Valeu, Mari, for all.
Olaaa, navegando pela net, encontrei seu blog.
Simplesmente perfeito esse texto.
Adorei!
A vida como a estrada, ir sempre em frente.
Muito bom mesmo, apesar de algumas vezes a gente sentir vontade de parar no acostamento, nd melhor do que sempre seguir adiante.
Beijos
Parabens
Obrigada pela visita, Janinha!
Abração,
Ola...
Vim agradecer a visita...Que história tristeeee....mas também realista ne...quanto mais o tempo passa mas esquecemos a criança que esta dentro de nós...eu espero mante-la viva comigo sempre...
http://kriativa.zip.net
Bjksssssss
Pois é, seguir em frente mas olhar no retrovisor para não descuidar e ser "atropelado" e também para não reduzir e acabar "simplesmente" ultrapassado.
Obrigada, Raquel!!!
Seu blog é uma graça... entrei lá.
Júnior, vocês homens só pensam em apostar corrida!!! rs
ahhh... vc entendeu, vai rsrsrs
...a vida num eterno movimento...simplesmente fantástico!Lara
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