9.6.09

A moça e a estrada



Era uma pessoa boa em abstrair coisas. A brincadeira de ver bichos em nuvens acompanhava sua vida, mesmo depois da infância. Com a maturidade, passou a ver mais coisas que bichos. Via de tudo nas nuvens.

Adorava andar de carro em estradas de alta velocidade sentindo o vento embaraçar os cabelos e o sol esquentar seu braço esquerdo. Gostava do “bronze motorista”. Era como que uma forma de lembrá-la que sabia aproveitar o sol mesmo sem estar estirada para ele. E nem podia. A pele era branca demais e já tinha marcas de expressão e de sol no rosto. Com preguiça de usar cosméticos rejuvenescedores, passava maquiagem de boa qualidade e usava grandes óculos escuros. Unindo o útil ao agradável, tinha a combinação perfeita para se sentir a estrela de um videoclipe.

No geral, era aos finais de semana que conseguia dedicar-se à essa entrega na estrada. Gostava de lembrar que o avô dizia que a estrada é como a vida, pois a gente tem que ir sempre em frente, para não causar acidentes. E como a vida, a estrada nos permite ver o que tem ao seu redor rápido demais, por isso é preciso curtir cada quadro. E ela curtia.

Ligava o som e quando estava pensativa apenas acompanhava as músicas no pensamento. Quando estava feliz, era muito mais divertido, pois cantava e batucava todos os sons, tanto dos vocais quanto dos instrumentos. Tinha estatura mediana, não era tão alta e as pernas, muito menos, longas, mas sempre no batuque frenético batia o joelho direito na ignição. Às vezes aquele carro parecia apertado, mas era um apertadinho confortável, sabe?! Era o que ouvia ela dizer.

Um dia, um tanto pensativa apenas cantarolando na mente a música que tocava no rádio, recebeu um telefonema. O dia passou a ser noite e os vidros foram fechados. O cotovelo esquerdo não ocupava mais a beira da janela e o freio passou a ser mais utilizado que antes. Sem dó. Nesse dia ela passou de carro, buzinou e não a reconheci. Os cabelos estavam presos para não serem embaraçados e os óculos escuros aposentados no porta-luva. Estranhamente não vi mais nuvens no céu. Será que no inverno elas somem? Nunca soube disso, mas hoje sei que a estrada não é a mesma sem ela. Era boa em abstrair as coisas, acho que abstraiu a estrada e, por isso, não pôde mais seguir e parou em algum retorno.

10 comentários:

Mari Calza disse...

como sempre, um lindo texto... profundo... mas de tudo que eu li, o que mais me marcou foi o que o vô da menina dizia: "a estrada é como a vida, pois a gente tem que ir sempre em frente, para não causar acidentes"... Sábio, muito sábio. Ele tinha razão, eu sei, porque já causei acidentes demais. E agora, to aprendendo a seguir em frente.

Bjosssss

Unknown disse...

Não adianta dar ré na AutoBan...
Valeu, Mari, for all.

Unknown disse...

Não adianta dar ré na AutoBan...
Valeu, Mari, for all.

♥ Janinha ♥ disse...

Olaaa, navegando pela net, encontrei seu blog.
Simplesmente perfeito esse texto.
Adorei!

A vida como a estrada, ir sempre em frente.
Muito bom mesmo, apesar de algumas vezes a gente sentir vontade de parar no acostamento, nd melhor do que sempre seguir adiante.

Beijos
Parabens

Unknown disse...

Obrigada pela visita, Janinha!
Abração,

Raquel Machado disse...

Ola...
Vim agradecer a visita...Que história tristeeee....mas também realista ne...quanto mais o tempo passa mas esquecemos a criança que esta dentro de nós...eu espero mante-la viva comigo sempre...
http://kriativa.zip.net
Bjksssssss

Noise disse...

Pois é, seguir em frente mas olhar no retrovisor para não descuidar e ser "atropelado" e também para não reduzir e acabar "simplesmente" ultrapassado.

Unknown disse...

Obrigada, Raquel!!!
Seu blog é uma graça... entrei lá.

Júnior, vocês homens só pensam em apostar corrida!!! rs

Noise disse...

ahhh... vc entendeu, vai rsrsrs

Anônimo disse...

...a vida num eterno movimento...simplesmente fantástico!Lara