17.12.07

Croniquinha ruim de Ano Novo*

Preparou-se para a noite do Ano Novo em 15 minutos apenas. Sabia que não seria muito diferente do ano anterior: meia noite ouviria fogos e cachorros uivando em conseqüência e as pessoas que estavam no prédio brindariam quase mais alto que os bêbados no salão de festas do térreo. Na TV, Copacabana estaria lotada e talvez virasse fumaça como no ano retrasado. A Paulista pipocaria em mil cores e em algum momento mostrariam o primeiro dia do ano nas demais capitais brasileiras, sem a mesma ênfase, mas com o mesmo entusiasmo de “ano novo, vida nova”. Pegou uma berma branca que comprou em promoção na C&A e uma camiseta escrito “E que venha o Ano Novo!” em letras douradas, que ganhou da mãe, que foi pra praia com amigos. A irmã deixou um par de havaianas (erroneamente dois números menores) com um bilhete “Vai passar em casa de novo, mané? Feliz Ano Novo!!!” e se mandou pra Floripa com as amigas. A cueca da sorte estava já meio velha, mas compôs o visu frankstein de reveillon. Tudo seria a mesma coisa. Abriu a porta do apê e colocou uma cadeira pra fora. Era só esperar a contagem regressiva, abrir o champagne barato, beber e dormir. Não atenderia ao telefone com os amigos gritando Feliz Ano Novo, ah, não ia mesmo. Tinha pavor disso.

Foi no shopping duas vezes por semana por quatro delas e não achou o que vestir. Queria algo que não fosse glamouroso, que não fosse praiano, que não fosse mambembe, mas que também não fosse especial. Não achou. Pegou a minissaia branca do ano anterior e uma regata branca meio desbotada. Deixou na cândida e ficou novinha. Pegou uma tinta prateada e fez uns rabiscos malucos. Rasteirinha de strass e beleza. Pronta pra ir pro bar com a galera. Antes, ia passar a virada em casa, pra fazer sossegada seu filminho mental ali, sem ninguém se intrometer ou falar merda. Gostava de azul, achava que não dava sorte só pras noivas, fez uma mecha no cabelo e esticou-se no sofá com uma taça de cristal numa mão e uma garrafa de Chandon na outra. Estava calor, foi abrir a porta.

O tapetinho listrado enroscou e ela foi pro chão. A saia subiu e o vizinho da frente arregalou os olhos. “O que que é? Nunca viu? Pode vir me ajudar?”. Na verdade ele já tinha visto sim, mas fazia tempo. Enquanto ele a ajudava a levantar, ela reparou nos calcanhares caindo pra fora dos chinelos. “Esse chinelo não é seu, né?”. “É sim, assim como sua saia”. Eles desataram a rir e a contagem regressiva começou. E foi assim que o cara da cueca velha beijou a mocinha da mecha azul e daí pra frente o corredor daquele andar nunca mais foi o mesmo. Depois disso Renato Russo mudou um pouco a verdadeira história e escreveu Eduardo e Mônica, que vocês já conhecem.

*Outro texto escrito para postar no blog dos coleguinhas do Haja Saco (o primeiro está aqui)

6 comentários:

Henrique disse...

Segura essa:

http://outras-letras.blogspot.com/2007/12/homer-simpson-espectador-padro-do.html

Legal seu blog.

Unknown disse...

Valeuuu, entrarei lá.

Anônimo disse...

Eu tinha lido lá, já tinha achado ótimo! E o daqui de baixo (olhos de menino) é bem bonitinho, do tipo que a gente escreve pra alguém, mesmo que não fale pessoalmente, né? Beijão!
http://jungleman.weblogger.com.br

Unknown disse...

Hi, Jungle! Obrigada! O de baixo é do tipo bobinho apaixonado sim :) Perspicácia! rss

Anônimo disse...

Thais
Não achei ruim a crônica, a menos que seja só no nome, situação totalmente real, não foi ficção, Eduardo e Mônica se encontram e daí é só perguntar ao Renato Russo, como êle já morreu, é só escutar a música ...
Seu pai.

Unknown disse...

Rssss pai, mas ele disse que foi de outro jeito... rs
beijos (pretendo demorar pra perguntar a ele mesmo...)