6.8.07

Justiça muda

Ele planejava como fazer aquilo há muito tempo. Todos os dias dedicava cerca de 45 minutos pensando como seria. Envenenamento? Tiro? Enforcamento? Facada? Até coisas absurdas e desvairadas ele imaginou, como machadadas convulsas ou um corte mal feito, que arrancaria as cordas vocais e deixaria uma cicatriz profunda e dolorida, marca que ficaria para sempre como um aviso para toda a vizinhança.

Fazia tempo que não dormia bem e era só isso que queria. Algo ínfimo, óbvio, merecedor. Fazia anos (ou talvez apenas meses) que aquele som irritante lhe incomodava tanto que pensava em mudar do bairro que tanto gostava e crescera. Não agüentava mais o barulho dos latidos graves e de outro um pouco agudo que às vezes aparecia e compunha a orquestra mal ritmada, desafinada e inoportuna sob sua janela.

Para tentar solucionar o caso, havia instalado no quarto uma janela com vidros triplos contra ruídos, mas não foi o suficiente para isolar o som martirizante. Os latidos ficavam abafados, mas, em seus ouvidos, um amplificador devolvia a vivacidade daqueles ladridos.

Em agosto, decidiu. Pegou um dos seus copos mais pesados e projetou o arremesso pela janela da sala, para tentar sentir que o objeto chegaria ao destino e daria um susto nos donos indolentes e ao mesmo tempo petulantes. Envergou o corpo, segurou firme o copo, respirou e não o jogou. Não poluiria a rua.

No dia 5 comprou uns bifes e veneno para rato. Preparou com cuidado a arapuca, vestiu moletom, preferiu as escadas ao elevador e disfarçadamente fez o que tinha que ser feito.

Algum tempo depois escutou uma movimentação na casa da frente e depois disso só silêncio. Não estava feliz com o que tinha feito, mas estava satisfeito e essa sensação lhe deu um prazer nunca antes provado. Passou a ser um justiceiro e em menos de duas semanas ninguém mais ouviu latidos azucrinantes num raio de 2km.

Seu objetivo era matar para dormir, no entanto, virou refém de seus próprios cães e à noite ficava acordando pensando, pensando, pensando. Chegou à conclusão que para dormir em paz só matando a si mesmo. Foi na cozinha, preparou um belo bife à Organofosforado Carbamato e foi dormir.

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