27.8.07

A casa 15


Sempre que tenho um rascunho em mãos faço um tipo de mosaico com formas geométricas ou desenho o tradicional cenário com casinha e chaminé, árvore, cerca, nuvens, sol e montanhas ao fundo. O mais interessante é que a casa dos meus rabiscos tem plaquinha com número, e é sempre 15. É incrível como a nossa mente guarda as coisas com carinho. Eu já morei em uma casa de número 15 há muito tempo, quando tudo era festa. Quando quero extravasar ou sumir do mapa, meu cérebro lembra com saudade daquele tempo em que dormir, estudar e rir era emprego, e eu rabisco a mesma casinha sobradada com janela para a rua.

Eu era criança e a casa 15 ficava em Feira de Santana, na Bahia, num condomínio fechado, que reunia várias casas em uma rua larga e comprida, que terminava em um espaço com estacionamento para visitantes, piscina, bar e campo de futebol, mas que sempre era ocupado por rede e bola de vôlei. Havia muitas mangueiras pelo condomínio e poucos cachorros (para minha sorte, que tinha pavor naquela época).

Éramos uma criançada diferente das de hoje. O computador era artigo apenas para bancos e grandes empresas e ter videogame era um luxo para os solitários, já que o legal era brincar na rua. Jogávamos queimada (lá era “baleado”), pulávamos elástico, desbravávamos casas vizinhas ainda em construção, as quais nossos pais nos faziam prometer que nem passaríamos por perto. Éramos uma turminha unida tanto para o bem quanto para o mal. Se estávamos juntos para estudar, também estávamos juntos oferecendo suco e bolo de terra para as crianças menores. Riamos a cada bocada dos pequeninos com nossos garfinhos de plástico e não contávamos para ninguém nossas pequenas malvadezas. Mantínhamos nossos segredos.

Na casa 15 pulava as janelas para poder sair para brincar aos fins de semana que estava de castigo, e achava que meus pais não sabiam. Lá eu dividia o quarto com minha irmã, pois preferíamos assim. Foi lá que fiz meu primeiro ensaio fotográfico, gastando um filme novinho de 24 poses com fotos de nossos brinquedos.

Na casa 15 me enroscava, de ponta cabeça, numa rede e pedia para os amigos balançarem “bem fortão”. Devo ter me machucado umas vezes, mas não me lembro. Na casa 15 eu também caí no quintal e ralei os braços nas paredes chapiscadas do corredor, de onde saía com minha bicicleta Caloi Ceci. Ainda posso me enxergar pulando dela quando percebia que não tinha mais ninguém segurando a garupa e, seilá por que, não freava ou fazia curvas. Apenas saltava da magrela e deixava a coitada à deriva, até cair e se ralar nos paralelepípedos contínuos da única rua do condomínio.

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“Moscão!!!!!”
Quando eu morava na casa 15 minha mãe ainda tinha muito medo de moscas varejeiras, aquelas verdes, cheias de larvas, sabe? Ela tinha ouvido dizer que uma criança havia morrido porque a mosca depositou os ovos no nariz ou no ouvido dela sem que percebesse, e os bichos cresceram por dentro. Assim, ela desenvolveu um método de proteger eu e minha irmã das moscas nojentas e matadoras: com a mão direita, apertávamos o nariz e aproveitávamos para cobrir a boca (já fechada com força, mantendo os lábios escondidos) e, inclinando a cabeça, tampávamos a orelha direita com o ombro. A mão esquerda tratava de fechar a orelha esquerda e os olhos também eram apertados. Fechávamos as perninhas e nos mantínhamos quietas, para a mosca não perceber nossos movimentos. Aí, minha mãe pegava o inseticida e cumpria seu papel de heroína. Pronto, estávamos salvas!

Claro que pode parecer maluquice, mas Feira de Santana ainda tinha muito que melhorar no seu saneamento básico e, certamente, se eu morar num lugar semelhante, farei o mesmo com meu ou meus futuros filhos. “Moscão!”, também gritarei para eles, sendo perpetuado nosso eterno grito precedente da operação tapa-buracos.

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Da janela do meu quarto, que dava para a rua, dei a última olhada para o condomínio, em 1991. Deixamos a casa 15 com muitas lágrimas e dor. Soube que a escada vazada de madeira, desenhada pela minha mãe, as ardósias da sala, o jardim com “rosas graxas” coloridas não existem mais, talvez nem o armário incrível, que, com uma das portas, escondia a suíte do quarto dos meus pais. De qualquer forma, apesar de não abrigar uma caixa, ou uma porta secreta, sei que ainda há muitos segredos meus espalhados por lá.

2 comentários:

Anônimo disse...

É verdade, filhota, tinha esquecido a história do Moscão, mas guardo no meu coração cada minuto da sua vida, do seu sorriso, da sua fortaleza, da sua beleza, dos seus mistérios. Lembro com saudade da Thais bebê, da Thais menina, mas tenho um orgulho danado da Thais mulher.
Eu amo vc, beijos
Mamãe ......Olha o Moscão!!!!!.....

Anônimo disse...

AH Thaty... lembrei-me de tantas coisas. Fala sério..nós faziamos nescau, boos de chocolate com a terra escura da construção e dávamos para a Dandara, irmã da Jamel. Coitadinha! Ou brincávamos de esconde-esconde nas casas em construção (era sempre melhor).Ficávamos de castigo, eu sem poder ir à casa de vocês pq tinha feito algo muito feio, ou nem sempre. Realmente foram momentos que não irei esquecer. Lembro-me da primeira vez que andei de moto e foi com seu pai. Ou da vez que eu não queria ir para a escola e tentei fingir que estava com febre para ficar com a Elissa, mas tia Nieta disse que meus pés não estavam frios então eu não estava dodói. Quantas coisas.... Mas eh isso, resta-nos lembrar dessas lembranças e guardá-las para sempre em nossos corações. Bjos e saudades!