17.5.07

Encruzilhadas


O livre arbítrio não é tão livre assim. Estamos presos às condições do presente. Então, só dá para usarmos de nosso livre arbítrio um dia de cada vez. Não há como prever o futuro e programarmos escolhas e caminhos. Nossos dias são tecidos lentamente, com decisões abruptas, muitas vezes, mas consolidados de forma morosa.

O que eu sou hoje, o que eu escolho, o que eu decido, o que eu me arrependo de ter feito ou deixado de fazer, os paradigmas que desmonto, as leis que faço para mim, as regras que quebro, os mandamentos que rompo, os pensamentos que transformo. Em tudo lanço mão do meu livre arbítrio, tão perene em minha condição de ser humano racional, quanto intermitente, ao passo que é limitado pelo curto alcance de minhas certezas. Isso tudo não tem nada a ver com um ou com outro. Tem a ver comigo. Sendo um drama da individualidade, deve ter a ver com todos.

Neste traçado de caminho sempre há bifurcações. Quando me deparo com encruzilhadas de escolhas sempre me vejo em outra: a do antagônico “que bom, posso escolher” e “que complicado ter que escolher”. Aí, a insatisfação anuvia tudo. A insatisfação ou a insegurança, não sei. Até as moscas parecem ter livre arbítrio e até elas, com a vida bem mais simples que a nossa, batem sempre com a cabeça no vidro... então, acho que não é um problema preocupante.

A minha solução é sempre partir para a intuição. Nunca dei atenção especial e fiz balanços do que deu e não deu certo com base nela, mas sei que a maioria dos resultados me trouxe satisfação. E é isso que importa, não? Claro que arquiteto sobre o que pressinto ou faro, mas a decisão acaba começando mesmo por aí. A fórmula deve ter sido enraizada pela frase-conselho da minha mãe: “siga o seu coração”, que de certa forma eu a absorvi sem liberdade (quando ainda nem imaginava o que era isso), mas hoje, que penso saber, dou meu “sim” a ela.

O iluminista Descartes tira a responsabilidade de Deus, na verdade, tira Deus da jogada. Ele diz que o ser divino não é o culpado dos meus erros nem dos meus pecados, sou eu que me engano, sou eu quem peco, dependendo de como uso meu livre arbítrio. É verdade.

Superficialmente parece um peso (e cada encruzilhada não é literalmente uma cruz?), mas é essa corda bamba que dá sentido para a vida. É ela que me impulsiona a chegar do outro lado sem cair; e também é dela que, caso eu me esborrache, tenho que apostar em me equilibrar de novo. Se tudo nos levasse de forma direta e sem curvas, como uma esteira rolante, seríamos apáticos, gélidos, e não teria graça. Nosso livre arbítrio é o que nos mantém mais longe do freezer e mais perto do vento.


Foto tirada há dois meses... R.Pe.Vieira com Conceição, Cambuí, Campinas/SP

Um comentário:

Anônimo disse...

A dádiva do livre arbítrio é a máxima expressão de amor de Deus. Ele orienta os filhos e entrega a eles o poder da decisão. O legal da vida é que depois de uma encruzilhada vem outra e, em alguns casos, a opção nesta segunda encruzilhada nos leva ao mesmo lugar da outra opção da encruzilhada 1. Escolha sempre com o coração, pois é nele que reside a verdade e o amor. Fique atenta com o auto-engano. Nós dizemos estar escolhendo com o coração, qdo na verdade o fazemos por desejo. Se sentir sinceramente que é por ali que deve seguir, faça com firmeza na certeza que, mais adiante, aparecerá uma nova encruzilhada.