8.5.07

Problemas, solução...

Problema 1 - Não ando com vontade e nem inspiração para postar nada decente;
Problema 2 - Ando incomodada em ter deixado coisas que gostava na Gaveta de Idéias;
Solução óbvia - Postar o que gosto e está lá, aqui.


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03/01/07
Final da rotina do homem comum

Ele estava saindo calmamente pela porta da frente de uma casa que servia de depósito de antigos barris, cujo conteúdo ninguém sabia o que era, pelo menos, ninguém da redondeza. Um homem comum. Calças escuras e camisas claras, sapatos engraxados o suficiente para não parecer um andante maltrapilho. Os cabelos eram grisalhos e sebosos. As mãos sempre trêmulas devido a um choque emocional que tivera na infância. Os passos eram curtos e não parecia que tinha medo do trajeto que fazia diariamente, a partir das 22h30, da porta do depósito até sua casa, que ficava a poucas quadras dali.

Era um homem comum. Um pouco antiquado talvez. Do bolso direito da calça ele sempre puxava um relógio redondo e bastante antigo, como os de meados do século XIX. Era mesmo uma relíquia. No bolso da camisa um lenço xadrez sempre estava presente. Caminhava com o queixo paralelo ao chão, nunca apontando ou esquivando-se dele. Cantarolava algo inaudível e só. Não pensava muito enquanto voltava para casa. O olhar era triste, psicótico ou calmo, não dava para discernir. Mas o fato é que era apenas melancólico. Era um homem comum que vivia de forma comum, com gestos comuns e trajes comuns.

O homem comum tinha segredos. O conteúdo dos barris era, sem dúvida, o maior deles. Todos queriam saber o que havia lá, mas, como a melancolia confundia-se com psicose, ninguém tinha coragem de arriscar. O homem comum cumprimentava as pessoas do bairro dias sim, dias não. Mas isso não era fielmente intercalado. Havia semanas inteiras que o homem comum passava sem virar a face e levantar a mão para um aceno. E havia dias que esboçava um sorriso a até quem não conhecesse ou não recordasse o nome. As pessoas não o entendiam e jamais perguntavam sobre o depósito de barris.

Mas em uma noite de inverno, quando trancava a porta do depósito, a rotina do homem comum foi quebrada para sempre. Ele sentiu um calafrio e deu mais uma volta no cachecol, imaginando que fosse uma sensação normal conseqüente dos poucos 4ºC que fazia. Pela primeira vez, o homem comum foi para casa sem cantarolar, mas pensando sobre a família que o abandonara quando se desligou de tudo e passou a compartilhar seus melhores momentos com prostitutas e doses de whisky vagabundo.

Pela primeira vez, o homem comum pensava no caminho e olhava ao redor. Continuava com aparência inexpressiva, mas pensava nas contas a pagar, no lixo que deveria ter deixado na calçada na noite anterior para o lixeiro levar e também no conteúdo dos barris do depósito. Pela primeira vez, o homem comum apertou o passo. Os calafrios haviam aumentado e o cachecol não era suficiente para aquecê-lo, nem suas luvas velhas, nem o gorro de lã encardido, nem a jaqueta pesada de couro bem forrado, que tirara do fundo do guarda-roupa. Talvez nada fosse suficiente. O homem comum não sabia, mas a poucos metros dali estava o homem que iria matá-lo.

Ao dobrar uma esquina, o homem que ia matar lhe surpreendeu pelas costas com um mata-leão. Logo, uma venda nos olhos tirava a visão do homem comum. Outro pedaço de pano o impedia de gritar. As mãos foram igualmente subordinadas e tudo estava sob o controle do homem que ia matar. O homem comum não conseguia pensar e nem cantarolar o que era inaudível. As batidas de seu coração embolorado estavam aceleradas e ele ainda não havia sacado o relógio do bolso. Não sabia que horas eram. Era a hora da morte.

4 comentários:

Anônimo disse...

sensaaaaacional, Thais. Já falei que adoro estes personagens que vc cria, não é? Muito bom, garota

Ricardo Pieralini disse...

Huuummm, excelente. Mas reciclagem nao vale, ok?

Unknown disse...

Biby: Thanks for your comments! You`re always welcome here. Do you understand portuguese ou use a translator? See you!

Fábio: Já! Obrigada! Mas ainda não bati o casal Alichela! valeuuu.

Pieralini: Pode sim, vai... pelo menos não abandono mesessss, como certas pessoas (!)

Anônimo disse...

Oi Thais,

Gostei muito dos seus textos, vc escreve de um jeito suave, muito bom de se ler! Li seu texto sobre o des(equilíbrio) e achei bem interessante! Retrata perfeitamente um dia-a-dia vazio (não vazio ao pé da letra), onde só há uma coisa capaz de quebrar o "desconforto".

Bacana seu blog, vou voltar mais vezes!