2.10.07

Libertação

Foi na sexta-feira passada, quando estava dirigindo sozinha na estrada, já com quase 45 minutos de asfalto e mil pensamentos na cabeça. Viu o sol baixando e borrando o céu de traços alaranjados, amarelos e a chegada de um lilás escuro descendo pelo horizonte como água que infiltra pelo teto e vai tomando espaço. Não havia concorrência na pista, nenhum caminhão, nenhum carro sequer, nada de motos cortando o vento. Sentiu-se numa freeway e, claro, começou a gravar o clipe. Fez tomadas pela janela esquerda, zoom out do sol. O mesmo com as faixas entrecortadas da estrada. Fez várias pans interna e externamente ao ambiente do carro, lembrou da Primeira Lei de Newton. Ela estava parada ali, mesmo com o carro a 120 km/h.

“Todo corpo em equilíbrio mantém, por inércia, sua velocidade constante. Todo corpo continua no estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme, a menos que seja obrigado a mudá-lo por forças a ele aplicadas”


Sentiu-se obrigada a se mexer, movimento combinava mais com aquele cenário mutável, aquele dia dando lugar à noite e tantos detalhes do caminho passando rapidamente, sendo quase nada capturados pela visão periférica, tudo indo embora sem dar adeus. Foi aí que ergueu o som. Ergueu muito o som bem naquela música que tanto ouve, mas sempre numa altura moderada. E foi ali que ouviu a música de verdade pela primeira vez.

Os violinos mergulharam nas suas veias, a bateria acelerou a respiração, apertou o diafragma, impulsionou o coração a bombear melhor o sangue pro corpo todo e atender também a alma. A adrenalina foi a mil antes do refrão. A cada gritou “hey!”, algo transformava a expressão dela. Os braços erguiam-se alternando o controle do volante. O cérebro não conseguiu entender nada e isso foi maravilhoso. As lágrimas começaram a cair ao mesmo tempo em que gargalhadas desenfreadas a faziam sentir-se a louca mais feliz do mundo. Euforia. Acabara a inércia. A música a levou até o fim. No coral “ô, ôô...”, que antecedeu o final, as rodas do carro sobrevoavam a pista em câmera lenta. Abriu as janelas para sentir o vento gelado que fazia contraste com o slow motion do momento. O clipe ficou lindo. O sol já havia baixado e quase se podia ver estrelas no céu. A lua já estava lá e uma assistia a beleza da outra. Quando a música terminou e o random do rádio escolheu a próxima, ela tinha vida para ressuscitar umas 50 pessoas.

---------------------
(Onde estou não consigo buscar o link pro You Tube. Por curiosidade, a música é a já manjada No cars go, do Arcade Fire. E foi para o tal lugar onde nem carro vai que eu fui)

3 comentários:

Anônimo disse...

Thais
Gostei muito do "tudo indo embora sem dar adeus ...", lendo consegui me transportar para a situação, imaginado estar numa estrada, é bem aconchegante !
Seu Pai, Paulo

Unknown disse...

Bom, pai, vc está conseguindo abstrair! bjos

Anônimo disse...

Muito bom o texto, bem como a musica de inspiração!Obrigado por passar no nosso tb thais!Bjs